domingo, 19 de abril de 2009

A Segurança Pública e a Igreja-Corpo de Cristo. Parte I : VER

1. A Segurança Pública em alta em todas as rodas de discussões

- Talvez nunca se tenha falado tanto de Segurança Pública quanto hoje. É assunto que os políticos debatem, à procura de implementar políticas públicas de Seguridade Social. Nas famílias e escolas debate-se como nunca o problema da violência, da criminalidade sem controle, da falta de segurança generalizada com que nos deparamos cotidianamente, numa simples saída de casa após certa hora. No plano internacional, as discussões sobre o terrorismo e rumores de guerra, no plano nacional, debates sobre a ação das polícias, do exército, do Judiciário, das empresas de segurança e das organizações da sociedade civil que lidam essencialmente com a nossa Segurança. Em todos os âmbitos debate-se essa questão da Segurança Pública, e com a Igreja também não poderia ser diferente. Este ano o Manual da CF/2009 lançado a nível nacional pela CNBB, de tema “Fraternidade e Segurança Pública” e lema “A Paz é fruto da Justiça”, volta-se inteiramente para as questões mais urgentes e profundas desta ampla temática. Também nas Igrejas Particulares vemos iniciativas que suscitam o debate e a reflexão dessas questões, como na Festa do Padroeiro S. Jorge iniciada há uma semana na Paróquia do Centro de Ilhéus e que alcança sua culminância na quinta feira próxima, 23 de abril, estruturada em torno do tema: “Catequese, caminho para o Discipulado e construção da Cultura da Paz”. Tudo isso nos chama a atenção para a relevância desse tema. Mais que dever de cada um, Segurança trata-se de um direito reivindicado por todos.

2. A gritante Violência e Insegurança que interpelam a realidade de todos nós

- Ocorre que ninguém hoje está fora do alcance da Violência ou da Insegurança. Elas se alastraram por toda parte, e atingem com força maior ou menor todos os níveis do convívio social, todas as alçadas, ricos e pobres, a cidade ou o campo, as melhores e as piores famílias. São temores generalizados ser roubado, ser vítima de balas perdidas, se deparar com pessoas violentas e armadas em festas, ser vítima de assalto ou seqüestro etc. Sem falar nas violências sonoras, visuais, ideológicas, crimes contra o patrimônio público, contra a ética e os direitos humanos, e demais violações que subjugam populações inteiras a toda sorte de desrespeito e Insegurança, e que infelizmente nos agridem a todo o momento, em nossa dignidade e consciência. Ninguém hoje pode ignorar a força, profundidade, complexidade e alcance da Violência e da Insegurança que oprimem nossos povos, comunidades e a cada um de nós.

3. As multíplices expressões e formas da Violência e Insegurança para nós

- São tantas as formas pelas quais a Violência e a Insegurança se propagam, que às vezes se torna até mesmo difícil classificá-las, ou mesmo reconhecê-las. Desde a concepção a vida humana está ameaçada pela violência do aborto, e até no fim da vida existe a ameaça da eutanásia, o assassinato consentido de pessoas em estado terminal ou vegetativo. Na economia, na política e na sociedade, diversas estruturas são atentados contra a vida por si, como a objetificação da pessoa humana nas relações de consumo e a sua instrumentalização no mercado de trabalho, o capitalismo selvagem, a concorrência desleal de uma sociedade excludente e elitista, que aliena dos benefícios da globalização a imensa maioria, o desemprego estrutural, a flagrante e crescente desigualdade entre a vida nas classes mais pobres e até mesmo miseráveis, e as grandes riquezas que se amontoam nas mãos de poucos, a corrupção e falta de vontade política nos sistemas do Estado, etc. Todas essas são formas de violação tanto quanto a violência contra a mulher, contra o menor de rua e o idoso abandonado nos abrigos e nos hospitais, a violência do abuso do poder, das armas, do tráfico e das conseqüências devastadoras da dependência das drogas, a violência da exploração sexual de menores e de condições subumanas de vida. Tudo isso deixa cada um de nós inseguros, seja objetivamente falando, seja enquanto psicologicamente paranóicos por temor de que todas essas realidades colidam com as nossas, a chamada insegurança subjetiva.

4. Relações de Ódio, Vingança, Indiferentismo e Morte em nosso meio


- Toda essa insegurança e medo que afligem nossa sociedade acabam configurando um terreno propício para a formação de relações humanas corrompidas, que não tem a pessoa humana como sujeito e fim último dos relacionamentos, mas como mero meio e instrumento para se conseguir algo mais. Nessas relações, as pessoas se tornam descartáveis uma vez que não se precise mais delas para conseguir certo intento ou uma vez que este já tenha sido alcançado, são destituídas de todo o seu valor e dignidade, são desumanizadas. Com o tempo, as pessoas se habituam a essas formas de relacionamento e chegam a esquecer de cogitar outras formas de se relacionar com o outro. Assim, as relações desumanizadoras que deveriam ser uma aberração, se tornam a regra em nossa sociedade, que cultua os ídolos do dinheiro, do poder e do prazer imediato acima de qualquer bom senso ou moral. O fundamento das relações humanas deixa de ser a pessoa humana, deixa de ser o bem, a honestidade, a conciliação com o outro e passa a ser o egoísmo e a satisfação de interesses que desprezam o outro completamente. Nós tornamo-nos indiferentes para com a realidade próxima, a dor do outro, o bem do outro, nos tornamos ensimesmados, fechados em nossos mundinhos individuais e egoístas onde o outro nunca tem vez. Essas relações nos escravizam sob estruturas de morte e não da vida e estimulam o ódio, a violência e a guerra em vez da Paz.

5. A Cultura da Guerra que temos e a Cultura da Paz que queremos

- Em nossa sociedade pensamos da seguinte maneira. “Se alguém falou mal de mim, me ofendeu, vai se ver comigo!”. Ainda é o velho “olho por olho e dente por dente”, ainda não conseguimos superar essa justiça comutativa. Acreditamos, até mesmo por falta de reflexão, que se alguém comete um crime, deve ir para a prisão para pagar por isso. Não pensamos na recuperação das pessoas, queremos saber é da punição equivalente ao dano que o criminoso vai sofrer, mesmo que isso só vá arruinar outras vidas. Não pensamos em pessoas, focamo-nos em vinganças. É a filosofia do “Aqui se faz, aqui se paga!”. Pensamos que é justo alguém receber exatamente pelo que fez, por mais implacável que isso seja. Acreditamos que Justiça é cada um receber o que é lhe é devido, na medida precisa do que fez, com toda a dureza e rigor da lei. E, na realidade, Deus jamais agiu conosco assim. Desde o princípio, quando Deus cria o céu e a terra, ele não pensa se o ser humano merece ou não aquela grande dádiva que é a Criação e o próprio dom da vida soprado em suas narinas. O ser humano não havia feito nada para merecer aqueles presentes grandiosos. Deus nos dá de graça. Quando o ser humano abusa dos dons que recebeu de forma gratuita e imerecida e desobedece a Deus, pecando, como faz desde nossos Primeiros Pais e até hoje, se Deus nos tratasse quanto a nossas faltas para com Ele da mesma forma como nós tratamos nossos semelhantes, estaríamos simplesmente perdidos! Mas Deus não nos trata como merecemos, não está preocupado em nos punir, Deus só quer que estejamos felizes, e plenamente felizes! Por isso, a verdadeira justiça, aquela que apreendemos de Deus, tem por meta superar essa mentalidade de vingança e de guerra do “olho por olho, dente por dente”, e ser pautada na misericórdia, na reconciliação, na harmonia que gera a Paz. A Cultura de Paz que queremos surge de uma mentalidade que entende por Justiça “que cada receba o que lhe é necessário para ter uma vida digna”. O criminoso, mais que ser punido, confinado em um ambiente desumano como um animal, e “padecer em penitência numa penitenciária”, precisa ser reeducado, precisa trabalhar dignamente para restituir a quem lesou e à sociedade pelos danos que cometeu, precisa ser recuperado para poder, via de regra, se inserir perfeitamente na sociedade uma vez mais. Precisamos pensar menos em penas e mais no perdão, mais no amor e menos na vingança.

6. As causas da Violência e Insegurança na Macro e Micro escala

- Percebemos que a Violência e a Insegurança não começam foram de nós; elas começam em nós e se exteriorizam. É verdade que o ambiente de profundas e graves desigualdades em nossa sociedade, de gritantes injustiças sociais, se torna ambiente propício para os espinhos e ervas daninhas da Violência e da Insegurança crescerem até nos sufocarem, mas a semente de onde nasce esse joio vem do interior de cada um de nós, da mentalidade de guerra em cada um de nós. O corpo social é muito grande para ser mudado de uma vez, mas nós podemos mudar nossas próprias cabeças, uma de cada vez. Quando a cabeça das pessoas começa a mudar, o resto do corpo social muda por seguimento. A Segurança Pública, portanto, muito diferente do que nós costumamos pensar, não é algo exterior a nós. Ela começa dentro de nós, quando aceitamos viver pautando nossas vidas individuais e comunitárias em um esforço contínuo pela Paz! Para que essa Paz se torne possível, precisamos tornar mais justa a nossa realidade social, o ambiente fora de nós, e mais misericordiosa a nossa realidade pessoal, o ambiente de nosso coração e de nossas vidas. É assim que se combate este mal.

7. As más raízes a serem ceifadas para permitir o florescimento da Paz

- Cortar pela raiz o mal é termos um comprometimento com as questões sociais, políticas, econômicas, ambientais e culturais e ao mesmo tempo acolhermos as responsabilidades de nossa fé em nossa dimensão pessoal. Não é fácil ser cidadão verdadeiro e nem é fácil ser cristão verdadeiro. Mas nós, para conquistarmos a Paz para nós e aqueles que amamos precisamos necessariamente ser cidadãos e ser cristãos de verdade. Precisamos cortar em nós tudo o que nos impede de vivermos essas nossas vocações voltadas para a Paz, precisamos cortar nossa alienação para o que acontece em nosso país, estado e município, precisamos cortar nosso egoísmo, nosso indiferentismo, nossa falta de compaixão, precisamos extirpar o joio e os espinhos de nossas campos, e só deixar florir a boa seara.

Nenhum comentário:

Postar um comentário