quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Bento XVI surpreenderá os britânicos, afirma embaixador no Vaticano


ROMA, terça-feira, 14 de setembro de 2010 (ZENIT.org) – Bento XVI surpreenderá os cidadãos britânicos ao apresentar “de coração a coração” a relação entre fé e razão, considera uma das pessoas decisivas na realização desta viagem, o embaixador do Reino Unido na Santa Sé.

Em meio aos preparativos para a chegada do Papa esta quinta-feira à Escócia, Francis Campbell ofereceu, em um encontro com ZENIT, uma análise do impacto que a primeira visita de Estado de um Papa terá no Reino Unido.

Campbell, nascido em 1970, na Irlanda do Norte, foi secretário de Tony Blair em Downing Street e é representante da rainha perante o Papa desde 2005.

ZENIT: Por que o Papa vai ao Reino Unido?

Francis Campbell: Há duas razões: uma religiosa e uma de Estado ou diplomática. A religiosa vem primeiro, porque ele beatificará o cardeal John Henry Newman, grande figura da Igreja inglesa e universal. A contribuição de Newman para o ensinamento cristão é imensa. E no que se refere ao Estado, o Reino Unido tem uma forte relação internacional com a Santa Sé, focada em um grande leque de temas, indo desde o desenvolvimento internacional até o desafio climático. O Reino Unido atribui grande importância às relações com a Santa Sé.

Há duas maneiras de olhar para a Santa Sé. Algumas pessoas restringem sua visão a uma pequena Cidade Estado da Europa. Nossas relações não são com a pequena Cidade Estado, mas com a Santa Sé. Nossas relações diplomáticas são com a presença global da Santa Sé, que toca 17,5% da população mundial. Quando se parte daí é que se alcançam tantos temas globais como desenvolvimento internacional, desarmamento, mudança climática, resolução de conflitos e prevenção.

ZENIT: Diante das críticas à viagem do Papa e da complicada história de anticatolicismo em diferentes ambientes no Reino Unido, o senhor está preocupado?

Francis Campbell: Não. Eu faria uma distinção entre aqueles que criticam a religião, incluindo o Catolicismo, e aqueles que de um ponto de vista racional apresentam uma discordância genuína. A religião deve estar sempre aberta à crítica da razão. Há uma grande tradição de humanismo no Reino Unido. A discordância da religião não está confinada à nossa nação. A maioria que critica pertence a esse âmbito. Mas há que distinguir entre essas pessoas que criticam a religião e uma minoria que demonstra um alto nível de intolerância e nega ao outro – neste caso, às pessoas de fé – uma voz na igualdade.

Penso que este é um risco que os jornalistas estrangeiros devem considerar: que aqueles que gritam mais alto sejam os escutados por eles. Seria um erro extrapolar essas vozes. Frequentemente se diz que o Reino Unido é uma nação secular. Eu não diria que é assim. Mais de 70% da população, no último censo, identificou-se como cristã. Quando as pessoas dizem que somos um país secular, penso que elas precisam olhar para o papel da rainha, porque a rainha é suprema governadora da Igreja da Inglaterra. A cristandade atravessa o tecido do Estado, e a Igreja da Inglaterra é a Igreja oficial de Estado. Na Escócia, a forma é diferente, com a Igreja da Escócia. Quase um quarto de todas as crianças britânicas frequenta escolas confessionais, que são as escolas do Estado. Elas são pagas pelo Estado. Elas seguem o espírito de uma Igreja particular. 10% de todas as escolas no Reino Unido são escolas católicas. Portanto, temos um dos mais favoráveis sistemas de ensino do mundo baseado na fé. Se uma pessoa, um cristão, anglicano, católico, ou mesmo alguém de outra fé quer educar seus filhos na fé, têm a opção de educar seus filhos no espírito da fé e no setor estatal. Considero esse argumento muito forte para ilustrar que o Reino Unido é uma sociedade pluralista, onde as pessoas de fé desempenham um papel ativo na sociedade e onde a fé é valorizada pelo governo e a sociedade em geral.

ZENIT: Como é a relação entre Bento XVI e o Reino Unido?

Francis Campbell: Eu o considero o Papa que nos séculos recentes é provavelmente o que mais conhece sobre o Reino Unido, do ponto de vista cultural. Porque muitos de seus predecessores vieram de uma sociedade onde todos eram católicos, enquanto Bento XVI vem de uma sociedade onde católicos e luteranos vivem lado a lado. Não só por isso, mas ele ensinou por muitos anos em uma Universidade em que a faculdade de teologia era luterana e católica. Este Papa que está vindo ao Reino Unido tem um forte conhecimento do protestantismo.

ZENIT: Qual é a verdadeira novidade desta visita de Bento XVI?

Francis Campbell: Alguns costumam pensar que a visita de João Paulo II foi fácil, comparada a de Bento XVI. A visita de João Paulo II, em 1982, foi como andar em uma corda bamba diplomática. Foi uma das mais desafiadoras visitas no âmbito diplomático que ele teve naquele tempo, porque ele estava vindo para um país em guerra contra um outro predominantemente católico. Isso supôs grandes problemas à Santa Sé, por causa da questão de sua neutralidade. Visitar um país em guerra foi um desafio real. O segundo desafio para João Paulo II foi o conflito na Irlanda do Norte. A religião era uma das questões. Havia grandes problemas no relacionamento entre a comunidade católica da Irlanda do Norte e o governo em Londres. E isso é apenas uma dimensão.

Bento XVI caminha para uma situação diferente. Ele não enfrenta a corda bamba diplomática, mas a sociedade é diferente, e as duas pessoas são diferentes. João Paulo II fez seus apelos e comunicou-se por meio de atos; Bento interpela através de palavras. Em muitos aspectos, Bento talvez seja mais próximo da experiência britânica, por causa da ponte que faz entre fé e razão, pelo engajamento intelectual, sendo Newman expoente disso.

Além disso, a expressão da Igreja Católica no Reino Unido mudou ao longo dos últimos 28 anos, desde que João Paulo II veio. Há agora um milhão a mais de católicos. A Igreja tem um maior grau de diversidade racial. Os imigrantes vieram da Ásia, Índia, África, América Latina, da própria Europa, incluindo o leste europeu. Outro ponto é que agora nós vivemos 24 horas de cultura mediática. Há 28 anos, não era assim. A visita será bem diferente.

ZENIT: Os britânicos se surpreenderão com o Papa?

Francis Campbell: As pessoas encontrarão uma afável e inteligente figura, que vem para uma visita histórica que tem muitos exemplos de reaproximação. Para mim, o momento mais esperado é a sexta-feira, quando, às 17h, ele falará no Westminster Hall, o mesmo lugar em que Thomas More foi condenado à morte.

Isso mostra o quão longe chegamos como país, porque eu não acho que isso teria sido possível há 28 anos. Fico pensando no momento em que as pessoas o ouvirem... Acho que o povo britânico vai ver alguém que não está tão tranquilo em relação ao futuro, alguém altamente engajado. E isso decorre de sua infância... Aqui está um Papa que em sua infância viu em primeira mão os riscos do regime totalitário. Para ele, religião, catolicismo e cristandade põem em xeque o totalitarismo. Em muitos aspectos, sua vida é uma ilustração da relação entre fé e razão, porque a razão desgovernada caminha para o totalitarismo. Igualmente, uma fé não verificada pela razão torna-se ao final extremista e irracional. E por isso a ênfase na relação das duas. Penso que ele arrastará as pessoas pela palavra, trata-se de ouvir essa palavra e realmente absorvê-la. Acho que ele encontrará acolhida.

ZENIT: A beatificação do cardeal Newman poderia ser um sinal de unidade entre católicos e anglicanos?

Francis Campbell: Uma substancial quantidade do trabalho de Newman data do tempo em que ele era anglicano e também anglicano e católico. Ele fundou o Movimento de Oxford. Esse movimento ainda tem efeito e foi uma forte voz dentro do anglicanismo, em relação à reconstituição da tradição apostólica anglicana. Newman gastou uma parte substancial de sua vida na Igreja anglicana. Ele não é uma força de divisão. Seus ensinamentos sobre a consciência são algo aplicável a todos os cristãos, inclusive a todas as crenças e pessoas de boa vontade. Então aqui está um pensador cristão formidável. Primeiro e acima de tudo um pensador cristão, antes de começarmos as subdivisões. Acredito que Bento XVI tenha interesse por ele pelo fato de Newman ser um pensador do pós-Iluminismo e por tentar sanar a ruptura entre fé e razão causada pelo Iluminismo francês. Aqui está uma figura que ainda cura essa ruptura. Então, nesse sentido, ele é um personagem importante não só para a Igreja católica, mas para todo o cristianismo e para as pessoas de fé.

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